domingo, 28 de junho de 2009

Lenda da Bugiada e da Mouriscada/1ª Feira da Saúde AVVL



* Fotos da actividade "1ª Feira da Saúde AVVL" da autoria da formanda Maria do Carmo Costa. Actividade realizada no mesmo dia que as marchas sanjoaninas do concelho, a que os formandos e formadores deste curso assistiram. Ambas as actividades se desenrolaram no âmbito do Tema de Vida 3 ("Somos Consumidores").


Lenda da Bugiada e da Mouriscada - S. João de Sobrado

Nos tempos em que os Mouros povoavam a Serra de Cuca Macuca, hoje de Santa Justa, em Valongo, e Serra da Pia na encosta entre Valongo e terras de Aguiar de Sousa, o Rei dessa tribo tinha uma filha primogénita que, ao fazer os seus 16 anos de idade, adoeceu gravemente.
O Rei, muito poderoso e abastado, ao ver a princesa desfalecer, tentou por todos os meios ao seu alcance curar a nobre e bonita descendente, procurando os melhores cientistas e curandeiros para obter a cura da idolatrada princesa, mas, nada fazia suster o mal e sofrimento da grave doença.
Perto do seu reino, havia um povo de raça visigoda, que se dedicava aos trabalhos agrícolas e professava a religião cristã, a quem recorria nas suas aflições e pelo qual era sempre atendido.


O Rei mouro, embora incrédulo, ao ouvir falar desses milagres concedidos aos Cristãos, procurou o velho Rei cristão e pediu-lhe para interceder junto do Santo, por sua filha princesa, tudo prometendo para conseguir os seus desejos.
Os Cristãos acederam ao pedido, recorrendo ao seu venerando santo orago e, perante a grande admiração da tribo mourisca, a princesinha retomava a saúde tão desejada, voltando mais bonita que nunca ao seio da sua tribo, para alegria do seu povo e glória de S. João.
O Rei, ufanoso e cheio de autoridade, ordenou grandes festas em honra de S. João, reunindo toda a tribo; convidou os Cristãos a participar nas festas, mandando confeccionar um lauto banquete e no fim o Santo seria levado em majestosa procissão, com o andor conduzido pelos Mouros.
Convencido de que daí em diante toda a força e caprichos das suas resoluções estariam na veneranda imagem, começou a pensar em apoderar-se da mesma chegando a reivindicar essa posse, mas os Cristãos não estavam nessa disposição, logo fazendo ver que não cederiam o Santo milagroso.
Ao iniciar o grande banquete, o Rei mouro fez o pedido formal aos Cristãos, que foi logo recusado.
O Rei mouro, enraivecido e orgulhoso, ordenou que durante o animado banquete os Cristãos fossem humilhados e, assim, deu ordem aos servidores para eles serem servidos em mesa separada.
Os Cristãos, entristecidos e atemorizados, sujeitaram-se às humilhações, mas tomaram parte na festa.
Terminada a grande celebração, o Rei mouro voltou a exigir em tom autoritário e ameaçador, a imediata entrega do Santo, sem qualquer reserva e condição, mas os Cristãos contestaram fortemente essa atitude, o que levou o Rei mouro a ordenar aos seus apaniguados para tomarem pela força a veneranda imagem milagrosa.
Os Cristãos, embora reconhecessem o grande poder físico e guerreiro dos seus adversários e opressores, organizaram-se e prepararam-se para qualquer ataque traiçoeiro, firmes na sua crença inabalável no Santo protector. Pediram a S. João mais um milagre em tão afrontosa situação, pois, sem a sua imagem, não poderiam sobreviver nas suas vicissitudes. Invocando do Santo a protecção para os combates ferozes que teriam de travar com os seus insaciáveis inimigos, logo foram incentivados por forte vontade de lutar até à derrota total dos seus terríveis opositores.
Os Mouros embora valentes guerreiros, eram supersticiosos e, portanto, havia que pensar em certas artimanhas que os pudessem atormentar para que desanimassem. Perto do acampamento cristão havia outra tribo dum povo visigodo, denominada Bugios, que por certas artimanhas e usos macabros, sempre tinham dominado os Mouros e, por isso, os cristãos logo pensaram em imitá-los, para conseguirem o triunfo.
Os Cristãos intitulando-se Bugios, armaram-se de utensílios do seu trabalho de camponeses, disfarçando-se com máscaras hediondas, objectos macabros, guizos e entoando palavras de ordem barulhentas.
Empunhando as poucas armas que possuíam, dirigiram-se com o seu Rei para a ermida do seu Santo protector, implorando auxílio e aspergindo-se com água benta. O troar dos canhões mouriscos começou a ouvir-se e logo os Cristãos, agora Bugios, sobem ao seu castelo, procuram defender-se e intransigentemente resistir ao ataque valente e feroz dos inimigos.
O Rei mouro, numa última tentativa, manda um embaixador a cavalo junto do castelo cristão propondo mais uma vez a entrega, mas não sendo aceite a proposta pelos Bugios, aparecem então os sábios doutores da lei a dar as suas opiniões a favor dos Cristãos.
Nada, porém, susteve a ferocidade mourisca. A luta continuou e os Bugios, não podendo resistir à fúria adversária, violenta e destruidora dos Mouros, nem os seus emissários e doutores nada podendo fazer para melhorar a situação, foram, assim, forçados os Bugios à capitulação.
O imperialista Rei mouro lança-se, com todos os seus apaniguados, sobre o castelo cristão e, depois de o despojar dos bens, prende o rei dos Bugios. Não valendo sequer o pedido de clemência pelos vencidos que, de joelhos, chorando amargamente a sua derrota, pediam a libertação de seu velho Rei, enquanto os doutores da lei, tentavam por todos os meios convencer o orgulhoso vencedor Mouro, da justeza do direito dos oprimidos Cristãos.
O velho Rei Cristão é levado, sob forte escolta, para lugar seguro no reino mouro, enquanto os Cristãos se reorganizam e imploram a S. João mais um milagre: a libertação do seu chefe.
Iluminados e assistidos pelo seu patrono, logo pensaram vencer os mouros pelo medo, e, assim, construíram a figura de uma enorme serpente, denominada SERPE. Empunhando essa hedionda invenção, no meio da maior algazarra, lançaram-se, loucamente para o acampamento mourisco, onde estava prisioneiro o velho Rei da Bugiada.
Os Mouros, ao presenciar tão ruidoso e macabro cortejo, não mais se lembraram do prisioneiro, fugindo espavoridos, e deixarando em paz e liberdade o velho rei dos Bugios, que logo no meio da maior alegria se juntou aos seus libertadores, correndo em direcção à ermida de S. João, entoando as palavras:
- O SANTO É NOSSO!... O SANTO É NOSSO!...
Enquanto ia dançando em agradecimento pelo novo milagre obtido.
Terminada esta grande contenda, os Mouros desistiram de todas as perseguições aos Cristãos, continuando na faina de exploradores de ouro e de outras riquezas.

Fonte: Prospecto “A lenda da Bugiada e da Mouriscada – O S. João de Sobrado, Valongo”, 1986 (texto adaptado).


Actualmente faz-se a reconstituição desta história em Sobrado:

Os Mourisqueiros
Jovens de vestes garridas, os mouriscos constituem um exército de 40 homens comandado pelo Reimoeiro. Para integrar este exército todos os jovens têm de ser solteiros, por tradição. Um exército Mourisco divide-se em Guias, sub-chefes do rei mouro, Rabos que fazem a ligação com os restantes, e os Meios que assumem papel quando os Rabos estão ocupados em outras funções.
Vestir a “pele” de Mourisqueiro é uma honra que só está ao alcance dos que provam competência para o efeito.

Os Bugios
Primorosamente vestidos e bem apetrechados, foliões, os Bugios são o bizarro da festa pelas suas cores e saltos acrobáticos. Os Bugios desfilam mascarados. O comportamento aparentemente violento contrasta com o ordeiro dos Mourisqueiros, gritando e saltando pelo recinto. O exército Bugio é comandado pelo Velho, que se distingue dos demais pelas suas vestes distintas. O exército Bugio não tem limitações, pode ir quem quiser desde os 8 aos 80.

Fonte (texto adaptado): http://chegacheio.com/index.html







Sugestões de Consulta:
http://saojoaodesobrado.blogspot.com/
http://chegacheio.com/index.html

Recolha de Maria do Carmo Costa

Tributo a Fernando Pessoa




Fernando Pessoa nasceu a 13 de Junho de 1888 e faleceu a 30 de Novembro de 1935, em Lisboa, cidade de que sempre gostou muito.

Comemorações do Dia de Camões VI

De quantas graças tinha, a Natureza

De quantas graças tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro,
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.

Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a alma tenho acesa.

Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez deles um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.

Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.

Luís de Camões

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Amor um Mal que Falta quando Cresce

Aquela fera humana que enriquece
A sua presunçosa tirania
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce;

Se nela o Céu mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece?

Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga história.

Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
Já me fico logrando desta glória
De ver que tendes tanta de matar-me.


Luís Vaz de Camões


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Pede o desejo, Dama, que vos veja

Pede o desejo, Dama, que vos veja:
Não entende o que pede; está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado,
Que quem o tem não sabe o que deseja.

Não há cousa, a qual natural seja,
Que não queira perpétuo o seu estado.
Não quer logo o desejo o desejado,
Só por que nunca falte onde sobeja.

Mas este puro afeto em mim se dana:
Que, como a grave pedra tem por arte
O centro desejar da natureza,

Assim meu pensamento, pela parte
Que vai tomar de mim, terrestre e humana,
Foi, Senhora, pedir esta baixeza.

Luís de Camões


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Amor, que o gesto humano na alma escreve

Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faíscas me mostrou um dia,
Donde um puro cristal se derretia
Por entre vivas rosas a alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,
Por se certificar do que ali via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao sofrimento doce e leve.

Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro efeito; o pensamento
Endoidece, se cuida que é verdade.

Olhai como Amor gera, em um momento,
De lágrimas de honesta piedade
Lágrimas de imortal contentamento.

Luís de Camões

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Ah! minha Dinamene! Assim deixaste

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!

Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

Luís de Camões


Recolha de Paulo Ferreira

Comemorações do Dia de Camões V

Quando o Sol encoberto vai mostrando

Quando o Sol encoberto vai mostrando
Ao mundo a luz quieta e duvidosa,
Ao longo de ũa praia deleitosa
Vou na minha inimiga imaginando.

Aqui a vi, os cabelos concertando;
Ali, co'a mão na face tão, formosa;
Aqui falando alegre, ali cuidosa;
Agora estando queda, agora andando.

Aqui esteve sentada, ali me viu,
Erguendo aqueles olhos, tão isentos;
Aqui movida um pouco, ali segura.

Aqui se entristeceu, ali se riu.
E, enfim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vã, que sempre dura.

Luís de Camões

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Busque Amor novas artes, novo engenho

Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,

Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.

Luís de Camões

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Já é tempo, já, que minha confiança

Já é tempo, já, que minha confiança
Se desça duma falsa opinião;
Mas Amor não se rege por razão,
Não posso perder, logo, a esperança.

A vida sim, que uma áspera mudança
Não deixa viver tanto um coração.
E eu só na morte tenho a salvação?
Sim, mas quem a deseja não a alcança.

Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah dura lei de Amor, que não consente
Quietação num'alma que é cativa!

Se hei de viver, enfim, forçadamente,
Para que quero a glória fugitiva
Duma esperança vã que me atormente?

Luís de Camões

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Num jardim adornado de verdura

Num jardim adornado de verdura,
Que esmaltavam por cima várias flores,
Entrou um dia a deusa dos amores,
Com a deusa da caça e da espessura.

Diana tomou logo ũa rosa pura,
Vénus um roxo lírio, dos melhores;
Mas excediam muito às outras flores
As violas na graça e formosura.

Perguntam a Cupido, que ali estava,
Qual de aquelas três flores tomaria
Por mais suave e pura, e mais formosa.

Sorrindo-se o menino lhes tornava:
Todas formosas são; mas eu queria
Viola antes que lírio, nem que rosa.

Luís de Camões

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Senhora minha, se de pura inveja

Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,

Não me pode tolher que vos não veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.

Nela vos vejo, e vejo que não nasce
Em belo e fresco prado deleitoso
Senão flor que dá cheiro a toda a serra.

Os lírios tendes nu~a e noutra face.
Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso
Quem os tiver, se há tanto bem na terra!

Luís de Camões

Recolha de Fernando Silva

Dia de Camões IV

Formosos olhos, que na idade nossa

Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do Céu certíssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.
Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor não quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.
E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.
Mas eu cuido que, só por me não verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, não quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!

Luís de Camões

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Cantiga

A este mote alheio:
Menina dos olhos verdes,
porque me não vedes?


Voltas

Eles verdes são,
e têm por usança
na cor, esperança
e nas obras, não.
Vossa condição
não é d'olhos verdes,
porque me não vedes.

Isenções a molhos
que eles dizem terdes,
não são d'olhos verdes,
nem de verdes olhos.
Sirvo de giolhos,
e vós não me credes
porque me não vedes.

Haviam de ser,
porque possa vê-los,
que uns olhos tão belos
não se hão-de esconder;
mas fazeis-me crer
que já não são verdes,
porque me não vedes.

Verdes não o são
no que alcanço deles;
verdes são aqueles
que esperança dão.
Se na condição
está serem verdes,
porque me não vedes?

Luís de Camões

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Erros meus, má fortuna, amor ardente

Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa [a] que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Luís de Camões

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Sempre a Razão vencida foi de Amor

Sempre a Razão vencida foi de Amor;
Mas, porque assim o pedia o coração,
Quis Amor ser vencido da Razão.
Ora que caso pode haver maior!

Novo modo de morte e nova dor!
Estranheza de grande admiração,
Que perde suas forças a afeição,
Por que não perca a pena o seu rigor.

Pois nunca houve fraqueza no querer,
Mas antes muito mais se esforça assim
Um contrário com outro por vencer.

Mas a Razão, que a luta vence, enfim,
Não creio que é Razão; mas há-de ser
Inclinação que eu tenho contra mim.

Luís de Camões

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Descalça vai para a fonte

Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.

Luís de Camões


Recolha de Maria do Carmo Costa

Comemorações do Dia de Camões III

Todo animal da calma repousava

Todo animal da calma repousava,
Só Liso o ardor dela não sentia;
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava.

Os montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito comovia,
Que na vontade de outro posto estava.

Cansado já de andar pela espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza:

Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza.

Luís de Camões

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O cisne, quando sente ser chegada

O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo a sua vida,
Música com voz alta e mui subida
Levanta pela praia inabitada.

Deseja ter a vida prolongada
Chorando do viver a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,

Com mais suave canto e harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fé y el amor mio.

Luís de Camões

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Lindo e subtil trançado, que ficaste

Lindo e subtil trançado, que ficaste
Em penhor do remédio que mereço,
Se só contigo, vendo-te, endoudeço,
Que fora co'os cabelos que apertaste?

Aquelas tranças de ouro que ligaste,
Que os raios de sol têm em pouco preço,
Não sei se para engano do que peço,
Ou para me matar as desataste.

Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
E por satisfação de minhas dores,
Como quem não tem outra, hei de tomar-te.

E se não for contente o meu desejo,
Dir-lhe-ei que, nesta regra dos amores,
Por o todo também se toma a parte.

Luís de Camões


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O dia em que nasci moura e pereça

O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

Luís de Camões


Recolha de José António Ferreira

Comemorações do Dia de Camões II

Glosa a mote alheio

Vejo-a na alma pintada,
Quando me pede o desejo
O natural que não vejo.


Se só no ver puramente
Me transformei no que vi,
De vista tão excelente
Mal poderei ser ausente,
Enquanto o não for de mi.
Porque a alma namorada
A traz tão bem debuxada
E a memória tanto voa,
Que, se a não vejo em pessoa,
Vejo-a na alma pintada.

O desejo, que se estende
Ao que menos se concede,
Sobre vós pede e pretende,
Como o doente que pede
O que mais se lhe defende.
Eu, que em ausência vos vejo,
Tenho piedade e pejo
De me ver tão pobre estar,
Que então não tenho que dar,
Quando me pede o desejo.



Como àquele que cegou
É cousa vista e notória,
Que a Natureza ordenou
Que se lhe dobre em memória
O que em vista lhe faltou,
Assim a mim, que não rejo
Os olhos ao que desejo,
Na memória e na firmeza
Me concede a Natureza
O natural que não vejo.

Luís de Camões

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Um mover de olhos, brando e piedoso

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;

Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.

Luís de Camões


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Em Amor não há Senão Enganos

Suspiros inflamados que cantais
A tristeza com que eu vivi tão cedo;
Eu morro e não vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Leteo vos percais.

Escritos para sempre já ficais
Onde vos mostrarão todos co'o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.

Em quem, pois, virdes largas esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),

Dizei-lhe que os servistes muitos anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor não há senão enganos.


Luís Vaz de Camões

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Ditoso seja aquele que somente

Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder nalgum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando absente,
Não sente mais que a pena das lembranças,
Porque, inda mais que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem o coração atormentado.

Mas triste de quem se sente magoado
De erros em que não pode haver perdão,
Sem ficar na alma a mágoa do pecado.

Luís de Camões

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Grão tempo há já que soube da Ventura

Grão tempo há já que soube da Ventura
A vida que me tinha destinada,
Que a longa experiência da passada
Me dava claro indício da futura.

Amor fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa força exprimentada;
Assolai, destruí, não fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.

Soube Amor da Ventura que a não tinha,
E por que mais sentisse a falta dela,
De imagens impossíveis me mantinha.

Mas vós, Senhora, pois que minha estrela
Não foi melhor, vivei nesta alma minha,
Que não tem a Fortuna poder nela.

Luís de Camões


Recolha de Augusto Silva

Comemorações do Dia de Camões I

Não passes, caminhante

− Não passes, caminhante! − Quem me chama?
− Ũa memória nova e nunca ouvida,
De um que trocou finita e humana vida
Por divina, infinita e clara fama.
− Quem é que tão gentil louvor derrama?
− Quem derramar seu sangue não duvida
Por seguir a bandeira esclarecida
De um capitão de Cristo, que mais ama.
− Ditoso fim, ditoso sacrifício,
Que a Deus se fez e ao mundo juntamente!
Apregoando direi tão alta sorte.
− Mais poderás contar a toda a gente
Que sempre deu na vida claro indício
De vir a merecer tão santa morte.

Luís de Camões


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Quem diz que Amor é falso ou enganoso

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
Ligeiro, ingrato, vão desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce, e é piedoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens, e inda aos Deuses, odioso.

Se males faz Amor em mim se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de Amor;
Todos os seus males são um bem,
Que eu por todo outro bem não trocaria.

Luís de Camões

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Se as penas com que Amor tão mal me trata

Se as penas com que Amor tão mal me trata
Permitirem que eu tanto viva delas,
Que veja escuro o lume das estrelas,
Em cuja vista o meu se acende e mata;

E se o tempo, que tudo desbarata
Secar as frescas rosas sem colhê-las,
Mostrando a linda cor das tranças belas
Mudada de ouro fino em bela prata;

Vereis, Senhora, então também mudado
O pensamento e aspereza vossa,
Quando não sirva já sua mudança.

Suspirareis então pelo passado,
Em tempo quando executar-se possa
Em vosso arrepender minha vingança.

Luís de Camões

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Quando de minhas mágoas a comprida

Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que pera mim foi sonho nesta vida.

Lá nu~a saudade, onde estendida
A vista pelo campo desfalece,
Corro pera ela; e ela então parece
Que mais de mim se alonga, compelida.

Brado: - Não me fujais, sombra benina! -
Ela, os olhos em mim c'um brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser,

Torna a fugir-me; e eu gritando: - Dina...
Antes que diga: - mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.

Luís de Camões

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Verdes são os campos

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

Luís de Camões


Recolha de Ana Cidália Pereira




Fotos de Maria do Carmo Costa - Exposição temática inserida nas Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Júlio Verne, "Aventuras do Capitão Hatteras"

O que ele,acima de tudo, ambicionava era guardar para os seus compatriotas o monopólio dos descobrimentos geográficos. Com grande desesperação sua, porém, durante os séculos precedentes, relativamente a descobrimentos, os ingleses pouca coisa tinham feito.
A América devemo-la ao genovês Critóvão Colombo, as Índias ao português Vasco da Gama, a China, ao português Fernão de Andrade, a Terra do Fogo ao português Magalhães,o Canadá ao francês Jacques Cartier, as ilhas da Sonda, o Labrador, o Brasil, o cabop da Boa Esperança, os Açores, Madeira, Terra Nova, Guiné, Congo, México, Cabo Branco, Gronelândia, Islândia, mar do Sul, Califórnia, Japão, Camboja, Peru, Kamtchatka, Filipinas, Spitzberg, cabo Horn, estreito de «Bering, Tasmânia, Nova Zelândia, Nova Bretanha, Nova Holanda, Luisiana, ilha de João Mayen, a islandeses, a escandinavos, a russos, a portugueses, a dinamarqueses, a espanhóis, a genoveses e a holandeses.

Verne, Júlio - Aventuras do Capitão Hatteras,Porto: Ed. Público,2005, p. 113

Recolha de Paulo Ferreira
* Obra da BE

Júlio Verne, "Um herói de quinze anos"

XI

A tempestade

Durante a semana que se seguiu a este ùltimo acontecimento, isto é, de 14 a 21 de Fevereiro,nenhum outro incidente perturbou a vida de bordo.O vento pelo quadrante nordeste refrescava pouco a pouco e o pilgrim, se tinha singraduras de cento e sessenta milhas, tinha outras muito maiores, o que já não era mau para um navio da sua grandeza e para as circunstâncias em que navegava.
Dick Sand supunha que o patacho se aproximava das paraggens mais frequentadas pelos navios que querem passar de um para o outro hemisférico. Esperava, pois, encontrar algum desses navios com a firme intenção ou de mudar os passeigeiros, ou de lhe pedir alguns marinheiros e talvez um oficial. Mas, apesar da activa vigìlância, nenhum navio se avistou: O mar continuava deserto.

Verne, Júlio - Um herói de quinze anos, Porto: Ed. Público,2005, p.101

Recolha de Fernando Silva

*obra pertencente ao acervo da Biblioteca desta escola

Júlio Verne, "A Estrela do Sul"

Cipriano era,contudo, tão leal e tão bom,tão simples nas maneiras e nos sentimentos, tão sóbrio e tão modesro, que era impossível vê-lo habitualmente sem sentir simpatia, por ele.Por isso mister Watkins-talvez mesmo sem dar por tal - sentia pelo jovem engenheiro mais respeito do que nunca a pessoa alguma concedera. «Se aquele rapaz bebesse a valer?»

Verne, Júlio - A Estrela do Sul, Porto: Ed. Público,2005, p.28

Recolha de José António Ferreira

*obra pertencente ao acervo da Biblioteca desta escola

Júlio Verne, "A Ilha Misteriosa"

O mau tempo estava por fim declarado de todo. Na praia soprava com extraordinária violência uma ventania de sudoeste. O mar, então na vazante, batia rugindo de encontro à primeira cinta de rochedos ao longo do litoral. A chuva, levantada antes de chegar ao chão pelas rajadas do vendaval,formava no ar uma espécie de nevoeiro liquido. Pareciam farrapos de nuvens a arrastarem-se por aquela costa, onde as pedras e os seixos batiam uns de encontro aos outros com estrépito semelhante ao da descarga de muitas carroças de calhau. A areia levantada palo vento envolta com a água tornava impossível de aguentar o embate dos aguaceiros. No ar era tanta a poeira mineral como a água reduzida a líquido pó. Entre a embocadura do rio e o ângulo da muralha, o vento redemoinhava em turbilhões e as camadas de ar, que saiam daquele vórtice, como não achavam outra saída senão o estreito vale em cujo fundo se agitava o rio, engalfinhavam-se por ali com irresistivel violência. O fumo que se levantava da lareira, repelido pelo estreito escoadouro abaixo com a força das rajadas, enchia por vazes os corredores da habitação, a ponto de os tornar inabitáveis.

Verne, Júlio - A Ilha Misteriosa. Porto: Ed. Público,2005, p.71

recolha de Ana Cidália Pereira
*obra pertencente ao acervo da Biblioteca desta escola

Júlio Verne, "Cinco Semanas em Balão"

O pai de Fergusson fora um bravo capitão da marinha inglesa, que educara o moço entre os perigos e aventuras da sua profissão. Este digno filho, que nunca soube o que era medo, mostrou, desde muito novo, a perspicácia e a inteligência do investigador e uma propensão declarada para os trabalhos científicos. Mas do que ele deu provas inequívocas, desde a mais desde a mais tenra idade, foi de rara habilidade para se tirar de embaraços. Basta dizer que pouco ou nada lhe custou habituar-se a comer com o garfo, coisa aliás difícil para as crianças.

Verne, Júlio - Cinco Semanas em Balão.Porto: Ed. Público,2005 p.8

Recolha de Paulo Rocha

* obra pertencente ao acervo da Biblioteca desta escola

Júlio Verne, "As Índias Negras"

O curso das ideias de Jaime Starr ficou por assim dizer paralisado, em seguida à leitura desta nova carta, que tanto diferia da primeira.
- que significará tudo isto? - perguntou ele a si mesmo.
Jaime Starr levantou do chão o sobrescrito meio rasgado. Via-se nele,como no outro,a marca do correio de Aberfoyle. Não restava dúvida de que ambas as cartas tinham tido a mesma procedência. Percebia-se que não fora o velho mineiro quem escrevera a segunda, mas era também incontestável que o autor desta se achava bem ao facto do segredo de Simão Ford, uma vez que tão formalmente revocava o convite dirigido ao engenheiro.

Verne, Júlio - As Índias Negras. Porto: Ed. Público,2005 p.15

Recolha de Augusto Silva
* Obra pertencente ao acervo da Biblioteca desta escola

Júlio Verne, "Uma cidade flutuante"

Capítulo XXI

Às quatro horas o céu, que até então estivera encoberto limpou.O mar tinha caído,e o navio nãojogava. Seria fácil de acreditar que se estava em terra firme. A imobilidade do Great Eastern despertou nos passageiros a ideia de organizar
umas corridas. O campo de Epsom não oferecia melhor pista, e pelo que dizia respeito aos cavalos,à falta do Gladiator ou do La Touque,havia genuínos escoceses,que os valiam bem. Não tardou em espalhar-se a notícia.Imediatamente vieram
apressados os sportsmen e os espectadores,que deixaram os salões e os camarotes.Um inglês,o honorable Mackarthy foi nomeado comissário.Os andarilhos apresentaram-se sem demora.Eram seis marinheiros,que à maneira de centauros,por serem cavalos e jockeys ao mesmo tempo,vieram concorrer ao prémio grande do Great Eastern.

Verne, Júlio - Uma cidade Flutuante, Porto: Ed. Público,2005, p.103

Recolha de Rosário Sousa

*obra pertencente ao acervo da Biblioteca desta escola

Júlio Verne, "Da Terra à Lua"

«Cambridge,7 de Outubro.
Do director do Observatório de Cambridge para o presidente do Gun-Club,em Baltimore.
Logo que se recebeu a vossa honrosa missiva de 6 do corrente,endereçada ao Observa-
tório de Cambridge em nome dos sócios do Gun-Club,de Baltimore,reuniu-se o pessoal científico deste estabelecimento,e hove por conveniente responder como se segue:

As perguntas que lhe foram feitas são as seguintes:
1.Será possível enviar um projéctil até à Lua?
2.Qual é a distância exacta que há entre a terra e o seu satélite?
3.Quanto tempo durará o trajecto do projéctil ao qual tenha sido imprimida a velocidade inicial suficiente,e, por consequência,em que momento deverá ser lançado para que encontre a Lua num ponto determinado?
4.Em que momento preciso estará a Lua na posição mais favorável para ser alcançada pelo projéctil?
5.A que ponto do céu deve fazer-se a pontaria com o canhão destinado a lançar o projéctil?
6.Que lugar deve ocupar a Lua no céu no instante da partida do projéctil?
Em relação à primeira pergunta:Será possível enviar um projéctil até à Lua?
Sim,é possível alcançar a Lua com um projéctil,contanto que se consiga animar esse projéctil de uma velocidade inicial de 12 000 jardas por segundo.Demomstra o cálculo
que tal velocidade é suficiente.

Verne,Júlio - Da Terra à Lua. Porto: Ed. Público,2005, p.32

Recolha de Maria do Carmo Costa

* obra pertencente ao acervo da Biblioteca desta escola

sexta-feira, 29 de maio de 2009

"Maria", José Afonso

Maria
Nascida no monte
À beira da estrada
Maria
Bebida na fonte
Nas ervas criada

Talvez
Que Maria se espante
De ser tão louvada
Mas não
Quem por ela se prende
De a ver tão prendada

Maria
Nascida no trevo
Criada no trigo
Quem dera
Maria que o trevo
Casara comigo

Maria
De todos a primeira
De todas menina
Maria
Soubera a cigana
Ler a tua sina

Não sei
Se deveras se engana
Quem demais se afina
Maria
Sol da madrugada
Flor de tangerina

José Afonso


Recolha colectiva dos formandos deste curso e da Formadora de Linguagem e Comunicação

sexta-feira, 15 de maio de 2009

"O Tesouro", Eça de Queirós (versão original)

I

Os três irmãos de Medranhos, Rui, Guanes e Rostabal, eram então, em todo o reino das Astúrias, os fidalgos mais famintos e os mais remendados.
Nos paços de Medranhos, a que o vento da serra levara vidraça e telha, passavam eles as tardes desse Inverno, engelhados nos seus pelotes de camelão, batendo as solas rotas sobre as lajes da cozinha, diante da vasta lareira negra, onde desde muito não estalava lume, nem fervia a panela de ferro.


*Queirós, Eça - "O Tesouro" in Contos.
Porto: Porto Ed., 2003, p.97


Assim começa este conto belíssimo. Aqui se fala de ganância e mesquinhez, mas também de almas humanas de outros tempos, tão minuciosa e precisamente retratadas , que esta bem podia ser uma história dos nossos dias...

Recolha e comentário da Formadora de Linguagem e Comunicação, Maria José Fontes

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola.

"O Tesouro", versão recontada VI

"Suava, tremia.
-Socorro! Acudam-me! Guanes! Rostabal!
Quem lhe podia valer?
Cambaleou até à fonte.
Mas a água não apagava aquele lume.
Recuou, caiu para cima da relva. Tentou levantar-se.
Então, com os olhos esbugalhados,berrou, compreendendo enfim a traição:
-É veneno!"

Soares, Luísa Ducla - Seis Contos de Eça de Queirós.
Lisboa: Ed. Terramar, 2007, p.24.


Eu gostei desta excerto porque foi bizarra a morte de Rostabal.
O crime não compensa!...



Recolha e comentário de Paulo Ferreira


* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"O tesouro", versão recontada V

"Mandaria rezar missas ricas pelos irmãos e diria que tinham morrido, como deviam morrer os fidalgos, a lutar contra os Mouros."

Soares, Luísa Ducla - Seis Contos de Eça de Queirós.
Lisboa: Ed. Terramar, 2007, p.22.


Eu gostei deste excerto deste conto, porque a personagem pensava que já estava rico e, afinal, o que lhe tocou foi a mesma sorte dos irmãos...


Recolha e comentário de Fernando Silva


* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"O Tesouro", versão recontada IV

"Anoiteceu.Um bando negro de corvos grasnava.
Os três irmaõs jaziam mortos.O primeiro entre os silvados, o segundo na fonte,o terceiro,sobre a erva.
O tesouro ainda lá está,na espessura da mata."


Soares, Luísa Ducla-Seis contos de Eça de Queirós.
Lisboa:Ed.Terramar, 2007,p.24.


Eu gostei deste excerto do conto porque todos os três tiveram o castigo merecido!...

Recolha e comentário de José António Ferreira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"O Tesouro", versão recontada III

"Numa cova da rocha,entre os pinheiros, um velho cofre de ferro.Tinha três fechaduras,cada qual com sua chave.Abriram-no.Por dentro,até às bordas,estava cheio de moedas de ouro!
Que haviam de fazer?
Rui, gordo e ruivo, era o mais sensato.Propôs que o tesouro pertencesse aos três."

Soares,Luísa Ducla- Seis Contos de Eça de Queirós.
Lisboa:ed.Terramar,2007,p.18.



Eu gostei deste excerto do conto porque acho que as três chaves do cofre têm algo de divino!...


Recolha e comentário de Maria do Carmo Costa

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"O Tesouro", versão recontada II

"Tiraram-lhe a chave do peito.
Rostabal, depois do crime, atirou a arma para o chão e foi lavar-se, pois estava todo salpicado de sangue."

Soares, Luísa Ducla - Seis Contos de Eça de Queirós.
Lisboa: Ed. Terramar, 2007, pp.21-22.



Eu gostei deste excerto do conto porque descreve a maneira de ser dos fidalgos desta história: dois dos irmãos tiraram a chave ao outro, já morto, e Rostabal, depois do crime, ainda atirou a arma para o chão!

Recolha e comentário de Agusto Silva


* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"O Tesouro", versão recontada I

"- Manos! O cofre tem três chaves. Eu levo a minha...
- Também quero a minha! - rosnou Rostabal.
Rui foi da mesma opinião.
Cada um, em silêncio, agachado diante do cofre, trancou a sua fechadura.
E Guanes, ligeiro, saltou para a égua, cantarolando."

Soares, Luísa Ducla - Seis Contos de Eça de Queirós.
Lisboa: Ed. Terramar, 2007, p.20.


Eu gostei deste excerto do conto porque mostra os três irmãos a discutirem por quererem o tesouro só para si.

Recolha e comentário de Ana Cidália Pereira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

terça-feira, 12 de maio de 2009

Capital Mundial do Carnaval

Em Fevereiro de cada ano a movimentada cidade do Rio de Janeiro no Brasil, festeja o Carnaval ao longo de cinco dias, festeja-se com música, dança e muitos desfiles. Os bailarinos fazem concursos de samba pelas ruas da cidade.

Dalby, Elizabeth - A Minha Primeira Enciclopédia de Geografia. Porto: Porto Editora, 2004, p.25


Queres saber que outras celebrações são referidas nesta obra?
É só pesquisares!
Não vais ficar desiludido(a)!!!...


Recolha de Augusto Silva


* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

quinta-feira, 7 de maio de 2009

"Lembrava-se dele", Maria do Rosário Pedreira

Lembrava-se dele e, por amor, ainda que pensasse
em serpente, diria apenas arabesco; e esconderia
na saia a mordedura quente, a ferida, e marca
de todos os enganos, faria quase tudo


Por amor: daria o sono e o sangue, a casa e a alegria,
E guardaria calados fantasmas do medo, que são
os donos das maiores verdades. Já de outra vez mentira
e por amor haveria de sentar-se à mesa dele
e negar que o amava, porque amá-lo era um engano
ainda maior do que mentir-lhe e, por amor, punha-se

a desenhar o tempo como uma linha tonta, sempre
a cair da folha, a prolongar o desencontro.
E fazia estrelas, ainda que pensasse em cruzes;
arabescos, ainda que só se lembrasse de serpentes.

Pedreira, Maria do Rosário in Cem Poemas Portugueses no Feminino - Fanha, José e Letria, José Jorge(org.). Cascais: Ed. Terramar, 2005, pp. 203-204.


Recolha de Fernando Silva


*Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Aviso Para Solteiros Que Quiserem Viver", Tomás Pinto Brandão

Todo o solteiro que este mundo logra
E por casado assezoado berra
Considere que peste, fome e guerra
O diabo lhe dá em dar-lhe sogra.

A doce liberdade se malogra
De todo o paraíso se desterra,
E de viver enfim os termos erra,
Porque em vida se se enterra se se ensogra.

Terá sogra ab initio et ante bruxa,
Terá sogra ad perpectuam rei tarascia,
Sogra per omnia secula proluxa;

Que é peste no contágio que lhe encasca,
É fome na miséria que lhe embuxa,
É guerra no dragão que lhe enfrasca.

Tomás Pinto Brandão in Cem Poemas Portugueses do Riso e do Maldizer - Fanha, José e Letria, José Jorge(org.). Cascais: Ed. Terramar, 2003.

Recolha de Rosário Sousa

*Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Homem", Sophia de Mello Breyner Andresen

Era uma tarde do fim de Novembro, já
sem nenhum Outono.
A cidade erguia as suas paredes de pedras escuras. O céu estava alto, desolado,cor de frio. OS homens caminhavam empurrando-se uns aos outros nos passeios. Os carros passavam depressa.
Deviam ser quatro horas da tarde dum
dia sem sol nem chuva.

Havia muita gente na rua naquele dia.
Eu caminhava no passeio, depressa. A certa altura encontrei-me atrás dum homem muito pobremente vestido que levava ao colo uma criança loira, uma daquelas crianças cuja beleza quase não se pode descrever. É a beleza de uma madrugada de Verão, a beleza duma rosa, a beleza do orvalho, unidas à incrível beleza duma inocência humana.

Andresen,Sophia de Mello Breyner , O Homem in "Contos Exemplares".Lisboa: Contemporânea/Portugália Ed., s/d, pp.153-154

Recolha de Ana Cidália Pereira

*Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"LENGA-LENGA", Sebastião da Gama

7/10/1946


Não quero ser teu mais constante
pensamento.
Nem sequer,meu Amor!,teu sentimento
mais instante.

Basta-me ser,
a certas horas de certos dias,
o Sol que vai tuas mãos frias
aquecer.

Basta-me ser,a certas horas,
quando,subtil,a Mágoa vem,
aquela lágrima que choras
e te faz bem.

Basta-me ser aquele nome
naquela carta daquela tarde
em que tu tinhas sede e fome
de que eu viesse acompanhar-te.

(Se eu, meu Amor!,não fosse vivo,
quem sabe lá se existiria
a tua cândida alegria
que é sem princípio e sem motivo?...)

(excerto)

Gama, Sebastião da , "Cabo da Boa Esperança".
Mem Martins: Edições Arrábida, 2007,p.104

Recolha de Augusto Silva

*Obra do acervo da Biblioteca desta escola

"Davam grandes passeios aos Domingos", José Régio

II

Grande amor? Um pouco mais devagar.Ao fim de meses em Portalegre e em casa de sua tia Alice, achava Rosa Maria que o primo Fernando era simplesmente a pessoa mais divertida da casa. Ora sê-lo não implicava extraordinárias vantagens pessoais. Todas as outras eram, talvez, mais interessantes;e pela certa mais importantes, ou mais distintas;ou mais sérias... Precisamente por isso; menos divertidas na desautorizada opinião de Rosa Maria. Significará isto que Rosa Maria fosse uma rapariga fútil? Aguardemos os acontecimentos.
O caso é ter cada pessoa da casa um papel que certas conveniências ou circunstâncias lhe haviam distribuído, e cada pessoa desempenhava o mais escrupulosamente possível.

Régio, José , "Davam grandes passeios ao domingo", Lisboa: Livros Unibolso, s/d, p.17

Recolha de Paulo Ferreira

* Obra do acervo da Biblioteca desta escola

Quem Tem Farelos?(Excerto), Gil Vicente

Velha:
Rogo à Virgem Maria,
Que quem me fez erguer da cama,
que má cama e má dama,
e má lama negra e fria.
Má mazela e má courela,
mau regato e mau ribeiro,
mau silvado e mau outeiro,
má carreira e má portela.
Mau cortiço e mau sumiço,
maus lobos e maus lagartos,
nunca de pão sejam fartos!
Mau criado, mau serviço,
má montanha, má companha,
má aranha, má pousada,
má achada,má entrada,
má aranha, má façanha.

Má escrença, má doença,
má doairo, má fadairo,
mau vigairo,mau trintairo,
má demanda,má sentença,
mau amigo e mau abrigo,
mau vinho e mau vizinho,
mau meirinho e mau caminho,
mau trigo e mau castigo.

Irá de monte e de fonte,
irá de serpe de drago,
perigo de dia aziago
em rio de monte a monte,
má morte, má corte, má sorte,
má dado,má fado, má prado,
mau criado, mau mandado,
mau conforto te conforte.

Rogo às dores de Deus,
que má caída lhe caia,
e má saída lhe saia
trama lhe venha dos céus.
Jesu! Que escuro que faz!
Ó mártere San Sandorninho!
Que má rua e má caminho!
Cego seja quem m'isto faz!

Ui! Amara, percudida!
Jesú,a que m'eu encandeio!
Esta praga donde veio?
Deus lhe apare negra vida!


Vicente, Gil in Cem Poemas Portugueses do Riso e do Maldizer - Fanha, José e Letria, José Jorge(org.). Cascais: Ed. Terramar, 2003, pp.15-17.

Recolha de José António Ferreira

*Obra do acervo da Biblioteca desta escola

Liberdade, Fernando Pessoa

Ai que prazer.
Não cumpir um dever.
Ter um livro para ler.
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
de tão naturalmente matinal,
como tem tempo
não tem pressa...

Livros são papeis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta.
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


Pessoa, Fernando in Cem Poemas Portugueses do Riso e do Maldizer - Fanha, José e Letria, José Jorge(org.). Cascais: Ed. Terramar, 2003.

Recolha de Rosário Sousa

*Obra do acervo da Biblioteca desta escola